A irradiação é um dos processos utilizados pela indústria de alimentos para aumentar a vida útil e o tempo de prateleira dos produtos. Além de conservar, o mecanismo também mata insetos, bactérias patogênicas, fungos e leveduras, retarda a maturação e senescência (envelhecimento) de frutas e inibe o brotamento de bulbos e tubérculos. “Os tecidos irradiados não brotam. A irradiação destrói tecidos vivos e seu uso é proibido em alimentos orgânicos em qualquer fase da produção, armazenamento, transporte e processamento. A irradiação é também conhecida como pasteurização fria e é mais cara que processos térmicos de pasteurização”, explica Elaine de Azevedo, pós-doutorada pela Faculdade de Saúde Pública da USP e professora adjunta da Universidade Federal do Espírito Santo, no livro “Alimentos Orgânicos – ampliando os conceitos de saúde humana, ambiental e social”.
O alimento – embalado ou a granel – é submetido a uma quantidade controlada de radiações ionizantes por tempo pré-determinado. E o que é isso? O livro explica que a radiação ionizante transforma um átomo estável em um átomo eletricamente carregado ou com desequilíbrio entre suas cargas, ou seja, um íon. Esse fenômeno possui grande intensidade de energia e pode causar alterações na matéria, dependendo da forma como a radiação for usada. As fontes utilizadas para irradiar alimentos são isótopos radioativos, como Césio 197, Cobalto 60, raios X ou elétrons acelerados lineares.
Um pouco da história
Após a descoberta da radioatividade, na última década do século XIX, verificou-se em laboratório que as irradiações ionizantes afetavam os sistemas biológicos. Por meio delas, era possível exterminar organismos vivos e alterar a estruturas dos tecidos. Na década de 50, a Comissão de Energia Atômica e o Exército dos Estados Unidos financiaram pesquisas sobre o uso de radiações ionizantes na preservação dos alimentos. Em 1963, a FDA (Food and Drug Administration – similar à Anvisa no Brasil) permitiu seu uso no trigo e derivados e no bacon.
O Brasil faz pesquisas sobre alimentos irradiados desde 1975. Gradativamente, o leque de alimentos que poderiam ser irradiados foi aumentando. Entre os mais comumente irradiados estão a carne de vaca, porco e aves, nozes, batata, trigo, farinha de trigo, frutas, verduras e variados tipos de chás, ervas e condimentos. No Brasil irradiam-se principalmente cebolas, batatas, peixes, trigo e farinhas, papaia, morango, arroz e carne de porco.
O que isso significa?
O processo de irradiação expõe o alimento a uma carga equivalente à necessária para realizar cerca de 30 a 150 milhões de radiografias de tórax. Os níveis de radiação envolvidos compreendem uma faixa entre 5 mil a 4 milhões de rádios (medida-padrão para mensurar a radiação absorvida). Para se ter uma ideia dessa radiação, os aparelhos de raios X emitem menos que um rádio por sessão.
Como nos demais métodos de conservação de alimentos (pasteurização e congelamento, por exemplo), a irradiação ocasiona perdas de macro e micronutrientes, bem como variações na cor, sabor, textura e odor. Muitas vitaminas são praticamente extintas do alimento: até 90% da vitamina A na carne de frango, 86% da vitamina B em aveia e 70% da vitamina C em suco de frutas. À medida que o tempo de estocagem aumenta, outros nutrientes são perdidos: proteínas são desnaturadas e as vitaminas A, B12, C, E e K sofrem alterações semelhantes às do processo térmico (pasteurização).
No entanto, o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA/USP) defende que, apesar da perda nutricional, as alterações químicas não são nocivas ou perigosas. Em entrevista ao site da Unicamp, um físico do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN) da Universidade atribui o receio que a população tem de consumir esses alimentos à constituição de um “imaginário negativo” ligado à questão nuclear. A não aceitação por parte das pessoas decorre, entre outros fatores, da relação que se faz entre irradiação e radioatividade. Segundo ele, a contaminação radioativa pressupõe o contato físico com uma fonte radioativa, enquanto a irradiação é a energia emitida de uma fonte de radiação. Desta forma, os alimentos irradiados não se tornam radioativos, pois não contêm a fonte de radiação (apenas recebem a energia).
Elaine de Azevedo diz que “apesar de os especialistas afirmarem não ser sua intenção a utilização de radiações de alta energia (como a dos nêutrons, que tornariam os alimentos radioativos), é fundamental uma análise crítica em relação ao seu uso, pois até o momento não existem estudos suficientes que garantem sua inocuidade em seres humanos. E, por si só, é suficiente para avaliação da relação risco/benefício”.
A autora ainda discute a relação entre a irradiação e o incentivo a práticas agrícolas insustentáveis, baseadas em cultivos que ameaçam a biodiversidade. Leia um trecho:
“Ela sacrifica a sustentabilidade ecológica, ao encorajar a produção maciça, aumentando a dependência em relação à maior utilização de agrotóxicos. Além disso, teme-se que os resíduos radioativos das instalações das empresas de irradiação, transportados por grandes distâncias, possam causar acidentes que danificariam ecossistemas locais e ameaçariam a saúde pública. A irradiação encoraja o transporte dispendioso de alimentos que, quando cultivados e consumidos localmente, não precisam de irradiação. A adoção massiva desse recurso limita o direito das pessoas de escolherem onde e como seus alimentos serão produzidos. Um sistema democrático e que concede poder aos cidadãos para fazerem suas escolhas sensatas não precisa de irradiação. Essa prática é uma solução muito cara para o problema da segurança sanitária, atuando nos sintomas em detrimento das causas”
Um relatório da FDA de 2000 não associa a irradiação a riscos alimentares, mas ressalta que tal resultado não é aceito por diferentes grupos de consumidores em campanhas como a da instituição Public Citizen (Cidadão Público) e a Campanha contra Irradiação de Alimentos Europeia (The European Food Irradiation Campaing).
Fonte: Super Interessante
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